Parabatai de carreira solo.

Letícia Ferreira
6 min readJun 26, 2021

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Eu estava aqui pensando sobre os Parabatai. Para quem não conhece, "Parabatai é um par de guerreiros Nephilim que lutam juntos como parceiros ao longo da vida, unidos por juramento, independentemente do seu gênero." (Wikia Shadowhunters BR). E eu estava pensando: como alguém que eu chamo de Parabatai, e que diz me ter como Parabatai, é tão descuidado comigo?
É... não é a primeira vez que eu me questiono sobre os descuidos do meu parceiro comigo. Também não é a segunda, nem a terceira. Nem a quarta, pra falar a verdade! Já perdi as contas.
Foram 3 anos de relacionamento conjugal. Isso mesmo, namorando. De aliança no dedo e tudo. De dizerem que já éramos casados (e eu me via casando… e as coisas estavam sendo planejadas aos pouquinhos). A pessoa que mais me conhece, que mais conhece os meus gatilhos, minhas questões. A pessoa com quem aprendi que amor é uma construção infinita e que não dá pra construir sozinho. Ao invés de cimento, areia e água, os ingredientes dessa construção são atenção, cuidado e acolhimento (ou eram, pelo menos).
Éramos respaldados espiritualmente, também. O preto velho do meu padrinho, minha velha; o exú e a pombogira do meu pai de santo; minha erê. Todo uma galera, materializada nesse plano ou não, que nos acompanhava e acreditava no nosso amor, no nosso companheirismo, na nossa sintonia, na nossa parceria. Éramos tipo casal de comercial de margarina; pique casal da Molico - só que pretos. É... se inspiravam em nós. Acreditavam na possibilidade de amor porque estávamos ali. O que construímos foi maior do que poderíamos imaginar.

Mas a que custo?

Eu não vim aqui crucificar homem preto e não esperem isso de mim. Mas também não vou passar por cima das minhas dores e inquietações pra "limpar" a imagem de ninguém. Não posso dizer qual o valor total dessa relação porque de uma coisa eu tenho certeza: ninguém pagou sozinho. Mas, que pesou no meu bolso... Ah, pesou! Não vou destrinchar 3 anos de relação conjugal mais 8 meses de pós término nesse texto e nem na vida. Acho impossível! E saibam que estão lendo aqui as minhas dores, as minhas feridas, então tudo estará mais carregado de sentimentos. É uma contação bem parcial.

Entre idas e vindas no pós término - conversas sobre nós aqui e afastamentos acolá -, depois de um vacilo gigante dele para com a minha pessoa, chegamos a conclusão de que terminamos porque estávamos imersos demais nas nossas próprias questões, traumas e inquietudes. Não conseguimos dar/ser suporte um para o outro e isso nos desgastou ao ponto de precisarmos decretar - mesmo sem querer, e em meio a muitas lágrimas - o fim do casal.
Só de lembrar as lágrimas retornam. Eu amei e amo esse homem como eu nunca imaginei que seria possível amar um dia. E só de pensar que a história acima é só uma versão bonitinha e vendível que uso só pra não ter que dar explicações maiores, é bizarro!
O que realmente aconteceu é que, desde o início da nossa relação, eu vinha passando por cima de muita coisa. Tinha acabado de sair de uma relação abusiva e Bicho-Pau (vou chamá-lo assim) foi a pessoa que aceitou o desafio de me acolher. Logo começamos a namorar, e eu logo tive que travar uma batalha contra o pc - mais especificamente o LOL. Com o passar do tempo e das cobranças as coisas melhoraram e eu, sempre muito curiosa e solícita, me dispus a entrar nesse mundinho dele; saber a diferença entre skin e champion, entender o objetivo do jogo. Queria que não precisasse que ele saísse tanto do mundinho dele pra estar comigo. E não foi só no LOL, não! Até pedir pra ele me ensinar a jogar os jogos eu pedia. Tudo para estar com ele sem que o mesmo precisasse sair da sua zona de conforto. Mas, quem percebeu isso? Pois é!
Abrimos o relacionamento, também, depois que ele beijou uma menina na faculdade dele (isso não foi uma questão pra mim. Ele veio me contar e estava visivelmente mal com isso - não posso ser injusta e ocultar esse detalhe). Não deu em nada, mesmo namorando a distância. Nas idas e vindas dessa relação "aberta", nunca aconteceu de ficarmos com alguém da minha faculdade (UFF), só gente da faculdade dele. Sabe por quê? Porque na minha cabeça funcionava assim:

-Se com uma amizade ele já deu crise de ansiedade, como a cabeça dele vai reagir ao saber que eu tenho interesse em outras pessoas? Principalmente porque eu moro em outra cidade, e ele pode achar que estou mentindo. Não! minha prioridade é meu relacionamento. Fogo no c* dá e passa. É melhor ficar com os outros só quando estiver lá. Pelo menos vai estar na "zona de controle" da cabeça dele.

E nessa eu fui me anulando. Passando por cima da vontade de ficar com outras pessoas, enquanto permitia que ele matasse as vontades dele (importante dizer que ficávamos com os outros como casal.). Passando por cima de coisas que eu tinha pra dizer, porque não queria desencadear uma crise nele. Fui passando por cima das omissões dele ao tratamento que eu recebia (quem conhece a história, sabe.), até o momento em que o plano espiritual intercedeu e nós terminamos pela primeira vez. Ainda assim, não conseguimos nos separar de verdade. Nos víamos sempre, passávamos tempo juntos, nos falávamos muito. Nossa relação sempre foi muito amigável e não queria perder isso "só" porque não éramos mais um casal.
Um mês depois nós voltamos - e eu não sei responder porque voltei. Amor, medo de perder... sei lá! - e seguramos até outubro de 2020. Sete de outubro de dois mil e vinte. Essa data ainda ecoa na minha cabeça. O dia. As lágrimas. A tristeza e a incredulidade. O medo de nunca mais sermos um casal (ele dizia que se a gente terminasse de novo, não teria volta.). Eu não queria terminar. Nunca quis! Mas a necessidade de fazer isso era maior do que qualquer argumento que eu arrumasse pra driblar essa situação. (Não sei se você já passou por isso. Que desespero!) Por fim, terminamos de vez.
Óbvio que passei por cima de muitíssimas coisas que aconteceram e que não acho que caibam contar. Ao meu ver, nos amamos muito, curtimos muito a companhia um do outro, e eu fico me apegando nessas coisinhas até mesmo para não ceder ao viés social e feminista de monstrificar homens negros, sabe?! Eu, realmente, não sou muito chegada a isso, não. Mas eu só dei essa volta toda pra mostrar que relações têm começo, meio e fim - mesmo quando achamos que é pra sempre, porque nos encontraremos ao longo das vidas (como nas vidas passadas) - e muita coisa pagamos o preço sem ver, porque apostamos tudo nessas relações. São nessas relações que "fechamos os olhos e nos jogamos pra trás", com os braços abertos, porque sabemos que tem alguém pra nos segurar.
E é aí que está a nossa queda! Uma queda feia!
Hoje, eu e o Bicho-Pau estamos estremecidos de tal forma que não sei dizer a você se existe volta. Parte de mim precisa muito dessa volta porque, mesmo que na amizade, não imagina viver a vida sem ele; A outra parte implora pra que não voltemos mais, porque meu amor por ele sempre dá um jeito de passar por cima de tudo - inclusive de mim mesma - e talvez por isso eu tenha me machucado tantas vezes.

O juramento Parabatai diz:
"Rogo não deixá-lo,
ou voltar após segui-lo;
Pois, para onde fores, irei,
E onde estiver, estarei;
Os teus serão os meus,
e teu Deus, o meu Deus,
Onde morreres, eu morrerei, e lá serei enterrado.
O anjo o fez para mim, mas também,
nada senão a morte partirá a mim e a ti."

Meu questionamento é: se ele me conhece tanto, porque eu sofro tanto com as coisas que ele faz? Coisas essas que já foram apontadas, explicadas, esmiuçadas até o pó! A resposta é simples: porque ele não liga. É! Porque ele não ta nem aí! E se ele não tem essa preocupação, porque eu tenho que ter? Não existe Parabatai sem um parceiro que se doe tanto quanto você. Não é justo que exista! E, quando você se enxergar nesse tipo de situação, escolha ser seu próprio parceiro. O preço é alto. Caro. Nem todo mundo que tá acostumado a te ver doando, está preparado pra te ver fazer questão. Mas faça mesmo assim! Só você sabe o quanto as coisas te afetam e o quão difícil é lidar com cada uma delas. Então faça questão, sim! Das suas vontades, dos seus interesses, dos seus quereres. Faça questão de você mesmo. Seja o seu próprio Parabatai!

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Letícia Ferreira

Candomblecista e umbandista, estudante de Ciências Sociais pela UFF — Campos e produtora audiovisual na Terror Do Interior escrevendo sobre vivências.